Entrevista – Cassete Pirata

1 – Olá Cassete Pirata, sejam bem-vindos a este momento que é também conhecido, em quase todas as circunstâncias, como entrevista. O que me traz aqui é, não só “A Semente”, como o vosso fruto. Como e quando decidiram semear este segundo álbum?


R: Para mim o segundo disco começou a nascer no dia seguinte a ter o primeiro pronto. Confesso que no entanto tive de andar algum tempo a escrever canções para as deixar na gaveta – em retrospectiva penso que precisei de um tempo natural para começar a perceber o que realmente fazia sentido fazer no segundo disco de Cassete Pirata. A certa altura e também porque a apresentação da “Montra” ao vivo acabaria por ser cortada pela pandemia e pelo confinamento, era mesmo hora de tomar decisões e aí algumas das canções começaram a formar uma ideia do que poderia ser o tal segundo disco. Quis fazer um disco conceptual, que tivesse uma lógica e uma narrativa do início ao fim do disco – como se pudesse ser passado para um musical rock.


2 – Quais foram os prós e os contras que a pandemia exerceu sobre o vosso trabalho?
(Isto se tiverem existido prós). Ou seja, imaginem que sou a psicóloga Melfi dos Sopranos. Enquanto imaginam isso, desabafem sobre este que foi e ainda é uma período conturbado nas nossas vidas. O consequente reflexo e impacto que este período teve sobre vós, no fundo.


R: Grande vergonha (ainda não vi Sopranos). A pandemia foi um acontecimento que acho que vamos todos demorar a perceber e a analisar. O processo de composição do disco foi obviamente mais duro, a todos os níveis, o contexto era completamente novo e os estímulos que antes me levavam a escrever estavam virados do avesso. O novo normal tirava algum sentido a tudo porque não era óbvio sequer quando se poderia voltar a tocar ao vivo, ou que relevância teria lançar música num mundo completamente absorvido pelos números da tragédia. Por outro lado, meteu-me em “personagem” para o disco e temas que queria abordar.


3 – “A Pirâmide” foi o tema portador de um pseudo spoiler daquilo que, mais tarde, viria a ser a divulgação do vosso álbum. Esta música, em concreto, tem uma relação muito próxima com aquilo que é a desigualdade social, até porque acaba por ser essa a simbologia da pirâmide. Estas desigualdades são algo que vocês sentem necessidade de abordar e de nos entregar através do vosso som? Consideram que o vosso som tem uma faceta interventiva guardada?


R: A Pirâmide foi escrita perto da fase da “Montra”. Foi a primeira música deste disco a ser escrita, quando ainda não era óbvio que disco iria ser. Felizmente encaixou na narrativa. Acho que todo o artista é atraído por alguma coisa que o faz querer falar sobre ela. A desigualdade como a vejo, e embora saiba que vivo num contexto privilegiado, parece ser daqueles fenómenos em que só mudou a embalagem. Pode ser desigualdade financeira, desigualdade na educação, ou no amor. Continuamos ainda a longo caminho de as podermos amenizar.


4 – Qual é o significado lírico desta “Semente”? Por outras palavras, como é que foi o processo de criação e seleção da lírica dos vossos temas? O que vos leva a escrever? (Além das canetas)


R: Queria que o disco deixasse uma sensação de esperança. De que temos as cartas na mesa, e a capacidade para observar os problemas, e que mais do que encontrar culpados e nos insultarmos nas redes sociais sobre quem cancelar a seguir, a ideia é ir arranjando a coragem e a oportunidade de ir empreendendo a mudança. Sem falsos heroísmos, a nossa geração tem pela frente os seus problemas para resolver, como outras tiveram. Muitos dos problemas falamos deles no disco, e esperamos que dele saia no final, uma energia positiva de querer fazer melhor, seja lá isso o que for.


5 – Neste mais recente trabalho, qual foi o tema que vos deu mais trabalho construir e porquê?


R: Talvez o “Tudo faz Parte”, mas não consigo bem explicar porquê. O mais desafiante e também o que deu mais pica foi conseguir sentir e tocar o álbum como um todo, e partir das ligações que as canções tinham entre si, também para a parte da performance musical. Foi um trabalho da banda e do produtor, e estamos muito satisfeitos com o resultado final. Todas as músicas tiveram os seus desafios específicos. Ora porque precisavam de mais elementeos, ou de mais sobriedade – quando se gosta a palavra trabalho parece pesada – as mais desafiantes também são as mais fixes de fazer.


6 – Esta questão é mais direcionada para o João e para a Joana. Até que ponto a paternidade/maternidade teve interferência no produto musical da banda? Sentem que, de alguma forma, o facto de terem sido pais foi um fator preponderante na mudança de algum aspeto naquilo que é a vossa presença no mundo da música?


R: Penso que sim, mas é uma coisa que cresce todos os dias de maneira diferente. É verdade que a paternidade trouxe desafios na maneira como olhamos para a nossa carreira artística : as cedências que já não vamos poder fazer, a instabilidade financeira, uma cabeça criativa que precisa de tempo e espaço de sobra, e que com um bebé fica mais difícil gerir. Por outro lado trás todo um universo paralelo de sensações e olhares sobre o mundo. É muito inspirador, um amor novo de uma dimensão quase infinita, e é inevitável que seja uma fonte muito rica de novas canções, para mim e para a Joana. Tem sido engraçado também na banda essa mudança a acontecer – algumas conversas na carrinha já são grande parte do tempo sobre putos. Do que é que falávamos antes? 😛


7 – Nas costas d’ “A Semente” está uma bel’ “A Montra”, uma daquelas que nem o Preço Certo se lembrou de ter. Dito isto, quais são as principais dicotomias que podem enaltecer de um trabalho para o outro?


R: Não quisemos fazer um corte muito grande do primeiro disco para o segundo – queriamos que soasse a Cassete. Acho que neste disco explorámos, mais ou menos conscientemente, uma série de novos terrenos. A voz ganhou destaque, porque as melodias pediam esse lugar mais ancestral da voz, como que uma voz que vem das montanhas. O rock ficou mais pesado, mas os grooves ficaram mais leves. As vozes da Joana e da Maggie têm mais momentos
especiais. Mas no final penso que não mudámos muito a essência do que ainda estamos a querer definir como nossa imagem de marca.


8 – Esta é a parte em que começo a fugir do novo álbum para abordar outros temas. Tivemos o vosso som a invadir a sala de ene casas através do “Até Que A Vida Nos Separe”. Musicar uma série e conciliar duas artes, foi algo que, desde sempre, vos entusiasmou ou quando surgiu a oportunidade foi algo aceite num tom mais de desafio e superação? E, já agora, gostavam de repetir a experiência e de musicar temas para mais produções televisivas?


R: Na verdade a coisa aconteceu exactamente porque há uns anos atrás eu recebi o convite do Manuel Pureza ( realizador da série “até que a vida nos separe) para musicar uma curta metragem que ele levaria a concurso no Motelx desse ano. Chamava-se “Bruxa de Arroios” e ganhou. Foi a minha experiência a escrever música para cinema. Mas escrevi para um quinteto de jazz, era música muito diferente. Anos mais tarde o Manuel estava a ligar-me com uma proposta bem diferente – a música já estava escrita, e editada nos nossos discos, mas o Manuel sentia que encaixava que nem uma luva na nova série que ele tinha realizado, e já estava pronta. Foi um casamento super feliz, e surpreende-me sempre o facto de parecer que a música foi composta propositadamente para a série.


9 – Quase todos os membros da banda têm uma ligação ao Jazz, porém, quando vocês se fundem o resultado musical abrange inúmeros estilos distintos do jazz, tais como: rock psicadélico, pop, indie, entre outros. Conseguem construir um bilhete de identidade que seja capaz de nos dizer quais são as origens e influências da vossa sonoridade?


R: Todos ouvimos muita música. De vários estilos – somos curiosos e gostamos de tocar muita coisa, saber sobre vários estilos. No caso acho que Cassete tem influências e ambições mais ligadas à década de 70. Eu ainda me tento convencer que vivo nessa industria, para o mal ou para o bem. Muitas das bandas que nos influenciam, do rock à pop, tinham também ligações ao jazz, músicos que tocavam jazz. A receita vai sendo sempre a mesma, ninguém inventa nada, só vamos acrescentando alguns ingredientes e a nossa maneira de fazer a receita. Essa fase da história da música, seja em Inglaterra, no Brasil, nos Estados Unidos ou em Portugal, foi super rica – é uma grande fonte de inspiração. Mas claro, fomos todos teens nos 90s – isso também lá está.


10 – Esta é uma questão mais técnica. É a parte em que os vossos instrumentos recebem os holofotes que tanto merecem. Ou seja, é um convite à apresentação dos instrumentos e do material mais usado pela banda. Se não existirem segredos tão misteriosos como o da receita da Poncha, sintam-se na vontade de dar a conhecer o vosso arsenal de instrumentos. (Podem e devem frisar marcas e modelos. Se é para catalogar é para catalogar).


R: Eu toco uma Telecaster Select Americana. Tenho uma série de pedais de guitarra de várias marcas. O Quintino já tocou um baixo da Gretsch mas agora toca com um Fender Precision Bass. A Joana toca um Korg Minilogue Xd e a Maggie um Yamaha Reface CP e um Korg Minilogue. A Bateria do Pinheiro não sei que marca é – mas eu acho que acima de tudo o som vem muito dele mesmo – é o Pinheiro!


11 – À data que vos estou a colocar esta questão, ainda não apresentaram ao público e em palco o vosso novo trabalho. No entanto, quando o fizerem, que sensação e feedback retiraram da adesão do público ao vosso álbum? Caso respondam antes desses concertos que por aí vêm, podem dizer aquilo que esperam que seja a receção do público.


R: Já respondi depois dos concertos ( sorry). Estamos ainda meio em choque, porque não estávamos à espera de uma recepção tão calorosa. Talvez porque durante a pandemia se perca um bocado o pulso às coisas, se há mais gente a ouvir ou não. Nas redes sociais as coisas são sempre meio enganadoras. A verdade é que muita gente ouviu cassete no confinamento, e a série fez com que mais pessoas chegassem à banda. A recepção foi incrível, com muita gente nova a aparecer nos concertos e a cantar as letras ( até das canções novas). Para nós foi uma descarga de adrenalina de amor impressionante. Vamos ficar com estes concertos na nossa memória – foram diferentes de qualquer um até agora na cumplicidade com o público.


12 – Já têm planos para o futuro em mente ou é algo que, por enquanto, ainda não se atravessou no vosso pensamento?


R: Vamos querer tocar este novo disco, e depois vamos querer fazer um novo disco. Até que a vida ou a morte nos separe 😉


Muito Obrigado, Cassete!

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