Tame Impala – The Slow Rush

The Slow Rush, lançado em fevereiro (14) deste ano pelo selo Modular/Interscope, é o quarto LP da banda australiana Tame Impala, projeto do músico Kevin Parker. Formada em 2007 na Austrália, o grupo lançou seu primeiro disco em 2010, Innerspeaker, que tecido por guitarras alusivas ao rock psicodélico dos anos 60, conquistou de imediato o público e a crítica especializada. O mesmo ocorreu em 2012 com Lonerism, trabalho mais expansivo, enfático nos elementos eletrônicos e uso de sintetizadores. Ele indicou a marca que percorreria a ainda recente carreira da banda: subversão de expectativas e mutações equilibradas.

Em 2015 foi lançado Currents. Já exposto para além de sua cena primária, o Tame Impala introduziu traços mais dançantes à sua discografia, além de influências de R&B e até hip hop, quando, definitivamente, os sintetizadores assumiram o posto das guitarras. Após o lançamento de Currents, sem produzir material inédito, a banda passou a se apresentar em grandes festivais, ampliando e diversificando a base de fãs. Além disso, Kevin Parker, com sua admirável capacidade criativa, colaborou (como compositor ou letrista) com outros importantes artistas da música popular atual, entre eles Travis Scott, SZA, Lady Gaga, Mick Jagger, Kanye West e Mark Ronson.

Finalmente, em 2019 a banda apareceu com novas canções, os singles Patient e Borderline. O primeiro deles acabou não entrando para a tracklist final do álbum, e o segundo sim, mas com roupagem distinta. Agora, neste ano, Tame Impala lançou The Slow Rush, oferecendo mais uma vez ao público composições precisas e imaginativas, com discursos confessionais e reflexivos.

O mundo por trás de The Slow Rush O que há por trás desse trabalho? Os motivos confessionais que ganharam vida em The Slow Rush giram todos em torno de Kevin Parker. Parker, fundador da banda, decidiu começar o projeto quando no princípio de sua juventude, na própria casa, resolveu gravar algumas de suas criações. Apesar de ter reunido outros músicos, esses participam praticamente só em apresentações ao vivo (Dominic Simper, Julien Barbagallo, Cam Avery e Jay Watson), já que Parker é responsável pelas composições, execução de todos os instrumentos, direção de arte e mixagem dos discos.

Esse é um trabalho bastante pessoal e autobiográfico. Nele o vocalista (guitarrista, pianista, baterista, baixista e todas as outras coisas) reflete sobre nostalgia e monotonia, decepções amorosas, arrependimento e perdão, a respeito da morte de seu pai (Posthumos Forgiveness), casamento e sobre seu lugar no mundo. O fio condutor temático sob todos esses aspectos é o tempo e como o percebemos. O próprio título do LP mostra isso The Slow Rush (literalmente, “a pressa devagar”). Encerrando festivais e escrevendo para estrelas do pop e rap, Kevin Parker está finalmente confiante. Ele agora está se perguntando em voz alta sobre conseguir uma casa em Miami, se casar e tatuar o nome da esposa no braço (“Instant Destiny”) e pensar em como ele estava se sentindo um ano antes, quando não se importava com o mundo (“One More Year ”). Ele é um homem tão mudado que até admite não conseguir se identificar com seus discos antigos: “Não adianta tentar se relacionar com essa música antiga”, ele canta no começo de “Tomorrow’s Dust”. — Steven Edelstone (Paste Magazine) Kevin olha para trás lamentando suas falhas, confessando a saudade do pai e contemplando seus primeiros passos na carreira e na vida. Porém, embora nostálgico, o álbum não é apenas sobre passado. Ele caminha a partir da sensação de estagnação temporal, até comentou: “Acabei de perceber que estávamos aqui exatamente há um ano, fazendo exatamente a mesma coisa. Estamos alegremente presos”. Mas também chega ao vislumbre de novos caminhos, “Vamos fazer algo que não pode ser desfeito só porque nós podemos. O futuro é nossa ostra”, disse o artista comentando a música Instant Destiny. Com o coração temático no tempo, é difícil (e talvez até um equívoco) definir The Slow Rush como um “conjunto de músicas sobre o que já passou”, até porque a narrativa que se desenvolve no decorrer das canções nos faz perceber que o álbum “canta o tempo” como uma amálgama do passado, presente e futuro — na verdade, ele leva a gente a notar que é assim que somos envolvidos no tempo.

O mundo de The Slow Rush

Quais são as principais características líricas e sonoras de The Slow Rush? Ou seja, quais são os aspectos fundamentais do texto do disco? Aqui precisamos recordar que a cultura pop não se comunica por através de proposições diretas e herméticas. Pelo contrário, ela também dialoga conosco pelos climas e “humores” (moods) que compõe. Em última estância, o propósito da música pop não é nos informar, mas formar — e desafiar — nossa imaginação.

Desde as origens da banda, Kevin Parker deixou claro seu apreço pela música sessentista, principalmente o rock psicodélico e talvez krautrock. Retomar esses gêneros com vigor e uma certa reinterpretação “mais eletrônica” foi o que possibilitou o sucesso imediato e ascendente do grupo. Mas essa influência inicial parece ter se esticado pelo interesse em coisas de outras décadas, em especial os anos 70. Entendo que de lá veem as referências-chave de The Slow Rush. Claro, ele é revisto de modo bem versátil. Encontramos aqui uma neo-psicodelia mais pop, disco music (pra cumprir a missão de lançar a banda de vez nas pistas de dança), madchester e synthpop.

Ele (Kevin Parker) sempre usou melodias e riffs fortes para ancorar suas estruturas não convencionais, mas parece ter havido uma ligeira mudança de perspectiva: trabalhar com produtores de hip-hop fez com que ele pensasse mais em samples — como eles unem músicas de diferentes épocas e gêneros sob uma mesma cobertura — Jillian Mapes (Pitchfork) Todos esses estilos são lançados no caldeirão criativo de Parker e se desdobram em vocoders (harmonias robóticas pelo uso de vocoders, que dão o start no álbum em One More Year), linhas de piano fervilhantes, densas camadas de sintetizadores, multi-timbrados e acumulados… baixos cíclicos, soft grooves certeiros/ritmos marcantes e balanceados, e, obviamente, ecos atmosféricos e espaciais. Algumas músicas também contam, claro, com guitarras (apesar de bem pontualmente), violões (!!!) e percussão. Tudo isso evoca em nós, ouvintes, justamente os sentimentos de nostalgia (moods lisérgicos) e euforia com o futuro (moods épicos).

Breathe Deeper ao vivo no programa do Jimmy Kimmel Os temas dos discos estão entrelaçados aos motivos de seu contexto (que vimos lá no começo). Entretanto, vale a pena mencionar que as letras se encarnam em falsettos melódicos (típicos do vocalista australiano), loopings vocálicos (isso em alguns momentos torna o disco um pouco repetitivo), um jeito de cantar suavemente arrastado e emotivamente carregado, às vezes até lamentoso. O crítico colunista da NME, Thomas Smtih, escreveu em sua resenha: “Essas músicas geralmente são etéreas, densas e cósmicas: você não encontrará aqui um refrão pegajoso”.

Essas características expressam pra gente o quanto o eixo sonoro de The Slow Rush é bem alinhado e intensifica, dá corpo, aos temas que o artista nos convida a refletir. Além do mais, o equilíbrio entre as peculiaridades originais da banda e as experimentações nas quais incorre é outro ponto positivo desse trabalho. A transição arriscada pode ter decepcionado muitos fãs, mas foi um passo corajoso para o Tame Impala se consolidar no cenário mais amplo da música pop e conquistar uma nova base de fãs.

O mundo à frente de The Slow Rush Todo artefato da cultura popular é convidativo. Não necessariamente no sentido de “atraente”. Quero dizer que todos capturam o espectador, leitor, ouvinte, para um diálogo, lançando perguntas e respostas alternativas para questões últimas da vida. Cabe a nós, interlocutores, pararmos e prestarmos atenção, com honestidade, sensibilidade e senso crítico, ao que os artesãos têm a dizer, seja em tom de afirmação, confissão ou indagação. Na verdade, é mais que um diálogo informativo. A cultura pop chama a gente para interagir com o universo que ela projeta. Qual o universo projetado por The Slow Rush? O pano de fundo, a temática, as composições e a estética geral do álbum arquitetam o mundo no qual ele nos insere. The Slow Rush convida a gente a pensar sobre a maneira que percebemos e experimentamos o tempo. Como você o experimenta? The Slow Rush é uma acentuadamente existencial. As reflexões de Kevin Parker são virtuosas ao propor que a estagnação temporal é prejudicial à condição humana, mas que viver no tempo é inevitável, portanto, experimentá-lo é intrínseco à nossa pessoalidade. A relação do disco com o tempo é ambígua: ele nem o diviniza, pelo contrário, reconhece que em muitas situações é doloroso “ser humano no tempo”, mas também não o nega totalmente, lembrando que o mesmo tempo que às vezes prende e machuca é o que traz novas oportunidades e desafia nossas decisões.

Como poderei amá-la novamente?/Como poderei pedir por mais?/E na estrada adiante/À uma vida que não posso ignorar — One More Hour Para ele, ficar parado, remoer o passado e se prender a antigos erros, é comprometedor para nosso desenvolvimento pessoal. Em alguns trechos ele é bem encorajador, valorizando o ato de se arriscar (ir até a borda do mundo, Borderline) para imergir em um mundo novo — algo próximo do recorrente apelo cultural “faça você mesmo!”. E também, prevalece a esperança de se recuperar o tempo perdido desgastando-se no agora. Penso que aqui há um problema. Olhando para o álbum à luz da narrativa da Bíblia, do Deus que é Senhor do tempo, é insuficiente confiarmos em nossos próprios experimentos temporais para redimir o passado… Em outras palavras, apostar a vida em escrever suas próprias histórias eminentemente nos leva à cíclica experiência negativa em relação ao tempo. Não podemos redimir nossa própria história, só o Evangelho é capaz disso.

Eu só quero um vislumbre de esperança — Glimmer Encontramos redenção e novo significado para perceber e experimentar o tempo em nossas narrativas existenciais e cotidianas em Cristo, em seu perdão gracioso, e na misericórdia criativa dele. Ela se renova dia após dia e possibilita enfrentarmos nosso passado, proporciona novas oportunidades para vivermos o presente com intensidade, termos a chance de nos reconciliarmos com as pessoas, redimir nossas rotinas, experimentar novos hábitos tomarmos decisões sabiamente. Sim, a graça aparece entre as texturas de The Slow Rush. Apreciando esse disco lembramos que o passado não precisa definir nossa identidade, que o presente é precioso e que o futuro é dádiva. Ajuda ficar perdido no ontem? — Lost In Yesterday

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