Glockenwise – Entrevista (com Rafael Ferreira – guitarrista)

Olá? É assim que se começa uma entrevista? Claro que não, mas o olá soa bem. Os Glockenwise são a primeira banda confirmada para a edição deste ano do Poço de Noção e, como tal, esta entrevista surge num tom bastante oportuno. Mais do que isso, é gratificante ter contacto direto com um interveniente e protagonista da banda: o Rafael. É guitarrista do grupo, para quem necessitar de legendas e bem… para quem não necessitar acaba por ter acesso a elas de igual modo.

Não sei se é muito usual, no entanto, a transcrição desta entrevista surgirá em formato prosa. Se era mais giro ter por aqui aqueles travessões e tudo mais? Era, mas vou tentar fazer um apanhado da conversa e resumir a coisa para que a coisa fique isso mesmo… resumida.

Venho por este meio, convocá-lo a si, Rafael Ferreira, a comparecer a esta reunião que procurará reunir informações em primeira mão, sobre o Gótico Português, sobre as expectativas em relação ao Poço de Noção, entre outros assuntos. Se estiver interessado, compareça. Este foi o postal que equacionei. Como achei que a coisa se assemelhava a uma notificação de visita de estudo, optei por lhe perguntar se seria fixe comparecer num tasco para falar sobre a matéria. Ele disse que sim, até porque já o tinha semi-abordado no Courage, no pré-concerto dos Capitão Fausto, e ele já se tinha mostrado recetivo a este acontecimento. A palavra foi cumprida e esta entrevista cumpriu-se. Cumprimentos, vamos a ela!

O Gótico Português nasce através da vontade, sem que para isso tenha existido um propósito ou uma mensagem. O disco surge numa espécie de exercício inspirado na iniciativa de fazer algo acontecer. A banda é assim, por ser dali, de Barcelos, com todas as nuances que a região traz consigo. Enquanto que os primeiros discos albergam a vontade de ir embora, neste álbum existe um exercício de retrospetiva pelo facto de não existir nenhum membro do grupo a residir, atualmente, na cidade. Neste momento, utilizei aquela máxima do Variações, aquela das pessoas só estarem bem onde não estão.

O porquê do batismo Gótico Português? O responsável pela escolha do nome foi o Nuno. Legendas? Ok, pode ser. É o vocalista. A ideia do Gótico Português emerge quase como inspiração daquele que é o tradicional gótico americano. A ideia era fazer uma ponte que servisse de ligação para que algo com aquele ambiente tivesse lugar no panorama nacional. Ou seja, mediante o contexto e o ambiente daquilo que estava a ser feito o nome conseguiu fazer aquilo que muitas pessoas não conseguem, isto é, fazer sentido. Até mesmo as letras que estavam a ser fabricadas faziam sentido de pertencer àquela atmosfera. Quando tudo faz sentido, não vale a pena fazer o contrário. Sinto que esta última frase tem tudo para ser uma frase tatuável e é minha.

Aproveitei o embalo e perguntei se não existiu outro nome em equação para o baptizado do álbum e… não. Deveria ter feito melhor o suspense antes de despejar para aqui a informação? Talvez. Ou seja, não houve margem, nem discussão, nem indecisão… Vasco, Maria, Belmiro, Tatiana? Gótico Português! Como o Nuno determina os mais diversos nomes e títulos, isso acaba por ajudar a banda a construir algo em torno daquilo que está definido. Existe confiança total neste departamento. Os Glockenwise são mesmo um governo com as pastas bem delineadas!

De seguida, aproveitei o embalo do embalo e perguntei ao Rafael se a pandemia, de alguma forma, acelerou o processo e o desenvolvimento do disco ou se, por outro lado, o mesmo já estava estipulado e nos planos do grupo. Quando a pandemia atinge o seu apogeu o grupo estava a contar, um, dois, três… dar mais concertos e promover, naquela altura, o fresco Plástico. Com a vida social em stand by, a pandemia acabou por fazer com que a banda olhasse e pensasse neste novo disco mais cedo. Um aspeto positivo dela, no meio de tantos negativos. Fossem todos os testes covid assim, não é?

O Gótico Português mantém-se fiel à filosofia da banda que é a de fazer as coisas com calma e ponderação. Prova disso, é o espaço temporal de cada lançamento. Com isto, a criação não é forçada nem artificial. É tudo natural e orgânico. Deve ser por isso e isto que o som dos Glockenwise nos faz tão bem!

O processo criativo é o mesmo desde sempre. Isto é, a música é sempre feita em primeiro lugar e só depois a letra dá à luz. No entanto, no Gótico podemos encontrar uma ligeira exceção. O tema “Água Morrente” é, no fundo, um poema do Camilo Pessanha. Ou seja, o grupo acabou por musicar uma letra que já existia e o resultado é o mesmo de sempre: incrível!

Ainda dentro deste processo, por norma, a banda reúne-se para ir tocar pela paixão que existe em tocar instrumentos e depois tudo acontece. No entanto, tanto o Rafael como o Nuno, por vezes, fazem os trabalhos de casa e levam para este ou aquele ensaio riff´s sugestivos. Isso deve-se, sobretudo, ao facto de a guitarra ser um instrumento melódico permitindo, assim, que essa mesma iniciativa seja levada a cabo e a ensaio com maior facilidade. Não existe aquela máxima de jam session para ver o que sai dali ou para ver se sai alguma coisa de algum lado. Existem propostas e trabalho sobre as mesmas.

Um dos maiores desafios inerentes a este Gótico esteve na sua gravação. Um disco gravado pela própria banda que teve o Cláudio a ser o homem da batuta nesse departamento. Existem novas sonoridades presentes no disco, as teclas e sintetizadores são preponderantes neste lançamento. O Sérgio é quem entrega esses sons. No entanto, esse mesmo elemento sonoro não foi integrado com estranheza mas sim com naturalidade e de forma intuitiva. O facto do grupo já se conhecer há largos anos abre portas a que novas texturas se sintam em casa.

Existiram influências nesta construção, entre as quais estão The Cure, The Go-Betweens, GNR, Sétima Legião, entre outros. Por falar em Sétima Legião, falámos um pouco sobre o regresso da banda que tem uns quantos concertos agendados. Além dos Sétima Legião, são muitos os grupos que têm regressado ao ativo. Em tom de galhofa, dissemos que o maior erro dos Glockenwise foi nunca terem acabado para que o regresso fosse apoteótico.

Este é o álbum mais maduro e menos experimental. Contou também com um desafio estético para que existisse uma ligação entre todos os elementos e componentes que fazem parte do disco. Dessa construção estética emerge o resultado sólido e consistente que conseguimos ouvir e repetir.

Com a chegada do disco chegou mais gente. A banda passa na rádio e se, por vezes, as bandas que passam na rádio não conseguem cativar o público, com Glockenwise foi o inverso. A banda passa na rádio, cativa o público e isso traduz-se na adesão aos espetáculos e a salas esgotadas.

Com a chegada deste disco (bis) existe, também, a possibilidade do grupo visitar outros espaços, uns que tenham cadeiras, por exemplo. Isto permite a aquisição de experiências novas e a exploração de energias diferentes, assim como a versatilidade de mudar de reportório mediante o contexto e o ambiente do ispetáculo! Obrigado, Fernando Mendes.

As dinâmicas em palco, por norma, demoram sempre algum tempo até atingirem a sua solidificação. É o preço de um novo lançamento. Porém, neste caso, existiu desde o primeiro concerto no Courage um conforto superlativo. Em comparação com a apresentação do Plástico, onde a banda estava algo nervosa e ansiosa, este Gótico foi levado de outra forma, uma mais relaxada. É o preço da experiência. Como falei do Fernando Mendes mais acima, vi-me na necessidade de incluir a palavra preço.

Não há grito de guerra pré-palco, nem nenhum ritual. Todavia, existe uma rotunda, que é como quem diz, uma roda, onde são debitadas palavras. Estilo futebol.

A transformação do idioma nas letras dos Glock é algo de transformador. Rico pleonasmo. No início, a construção em inglês devia-se ao facto de muito daquilo que a banda gostava ser construído nesse mesmo dialeto e de existir um desejo adjacente em querer ser uma dessas bandas. À boleia disso, vieram duas tournées europeias. Ou melhor, foram em. No entanto, a realidade de serem uma banda de sul da europa fez com que tivessem de colocar o pé na embraiagem. No seguimento desta informação, falou-se das digressões europeias levadas a cabo pelos 10.000 Russos, banda que sempre percorreu a europa de lés-a-lés.

Voltando ao paladar, isto é, às línguas, fiquem a saber que o Plástico, inicialmente, era para ser em duas línguas: português e inglês. No entanto, devido a burocracias contratuais, o mesmo só daria para ser lançado com um dialeto e não foi em plastic. A mudança de chip foi o fator impulsionador para o resultado que toda a gente conhece. Tudo isto, aliado ao facto de o Nuno, em Duquesa, já ter escrito em português, tornou tudo muito mais fácil. O talento de escrever em ambas as línguas está com o Nuno.

Seria mais uma cerveja, sff!

A Heat é exemplo desse mesmo sucesso e de como a música consegue ter, na sua essência, todo aquele impacto. Um impacto monstro, como diria o Ric Fazeres. A Heat, desde o momento em que foi gravada que, entre a banda, existiu um consenso de que faria sentido se aquele tema viesse a ser interpretado pelo Reininho. Um namoro antigo que, mais tarde, se viria mesmo a concretizar com o Calor. Muito bom nas traduções. O lançamento em vinil do Plástico e, consequentemente, a possibilidade de incluir nesse mesmo formato uma faixa bónus fez com que a porta se abrisse. Hoje em dia, a banda opta por tocar o tema em português. O que é nacional é bom.

Obrigado! (A cerveja chegou)

No âmbito mais materialista, interroguei o Rafael sobre o porquê de tocar com aquela guitarra em específico e não com uma Gibson, Ibanez, Calvé ou outra qualquer. Estou a brincar, Calvé é uma marca… mas de outra coisa. Ora bem, a justificação deve-se ao facto daquela guitarra ter sido um bom negócio. Já utiliza aquela guitarra desde os tempos de Heat, por isso, é seguro afirmar que estamos perante uma relação séria. Algumas das virtudes enaltecidas, pelo próprio, naquela guitarra são: o conforto, o facto de ser rígida, não desafina com facilidade e a forma de como soa. No que toca a bicicletas, isto é, a pedais, a coisa é bastante simples. Não existe um uso astronómico nessa matéria. No entanto, podemos contar com delay, distorção, fuzz, rat e chorus. Sinto que deveria ter colocado a enumeração anterior em hastag´s.

À boleia deste tema, surgiu aquela que é a sonoridade dos EVOLS. Eles que são uma banda que explora, e não é pouco… bastante, as virtudes das pedaleiras e das suas programações. É, também por isso, que os EVOLS são uma banda inconfundível ao ouvido. Para quem não sabe, o Rafael é, atualmente, o baixista da banda. A ida do grupo à Antena 3 contou com a colaboração da Manuela Azevedo. Assim como aquando o Reininho aceitou o convite dos Glockenwise para interpretar a Heat, aqui a Manuela emprestou o seu talento à Father´s Death. Ou seja, muitas das vezes a música é o ponto de encontro para muitos gostos serem difundidos e partilhados entre gerações e estilos. A música é um lugar bonito!

A idade em que tudo começou e em que ele aprendeu a tocar guitarra foi ali na fronteira dos quinze anos ou por volta disso. Não resisti à tentação de me armar em gringo e insinuei que ele teria aprendido a tocar guitarra por tal aprendizagem ser uma espécie de requisito dos escuteiros. O que é que acontece? O Rafael andou nos escuteiros. E pronto, com esta tive que meter a violinha no saco.

Barcelos, além de ser uma cidade é, também, uma espécie de maternidade de bandas. A ideia do Rafael foi, desde sempre, a de ter uma banda ou de pertencer. Esta convicção foi aquilo que o motivou a dominar a sua guitarra. Entre risadas, confessou que ele estava muito mais interessado em ter uma banda do que propriamente em aprender a tocar o instrumento em questão. Hierarquias.

Voltando a EVOLS, fiz questão de fazer questão em saber como é que surgiu o convite do grupo para que o Rafael ingressasse na banda e, acima de tudo, para tocar um instrumento distinto daquele que o vemos tocar em Glockenwise. O grupo necessitava de um baixista e, além disso, o Rafael com a sua mudança para a cidade de Guimarães fez com que o Carlos Lobo, também ele da cidade, visse nele uma excelente alternativa para assumir aquele posto. Por falar em Carlos Lobo, se estiveres a ler isto, vai à tua caixa de e-mail que está por lá uma entrevista minha à tua espera.

O Rafael, por sua vez, também convidou o André Simão (Sensible Soccers), para assumir as rédeas da bateria em EVOLS. Em Sensible o André toca baixo, e é engraçado testemunhar a mudança de cargos neste projeto. A estrutura da banda é nível Liga dos Campeões. Se há merda de que o Rafael tem orgulho é da linha de baixo da Father´s Death. É uma linhaça, mesmo! Hoje em dia, sente uma ligeira preferência em tocar baixo. Faz cuidado, Fiusa.

No que toca a histórias inusitadas, servi-me do exemplo dos Xutos já terem sido assaltados e de que isso era uma história fixe, ao que o Rafael disse em tom de galhofa que era fixe para eles porque têm como comprar material novo. No entanto, recordou uma história em que a banda foi mandada parar pela polícia na Alemanha. O filme foi devido a um dilema qualquer com os papéis do seguro da carrinha. Disse-lhe que naquele caso, eles poderiam entrar sempre em contacto com os 10.000 Russos que seria quase certo eles estarem por lá em digressão.

As expectativas para o Poço foi a questão que fechou a entrevista. Não tive a coragem de lhe perguntar o que é que lhe diziam os olhos, até porque as lágrimas embaciavam aquilo que eles queriam dizer. Será a primeira vez do grupo em Cabeceiras e existe uma certa curiosidade em relação a tal estreia. Afirmou que a banda está muito contente pelo convite efetuado. Além disso, confessou que cada vez mais aprecia tocar em sítios pequenos. O que acontece nos festivais grandes é que as bandas portuguesas tocam sempre à tarde, quando o sol está a tostar. Ou seja, não existe uma programação propriamente justa para com aquilo que é nosso. Todavia, para tranquilizar o Rafael, disse-lhe que eles iam atuar às duas da tarde. Menti, claro. Apelou à sombra da praia fluvial!

Assumiu estar ansioso para conhecer o nosso festival e aquilo que a nossa associação pretende organizar. Ele que também pertence a uma associação, em Barcelos. Depois começámos a falar de burocracias, Ponte de Lima, o Verão em Boticas, entre outras coisas.

Um especial agradecimento ao Rafael! Foi uma tarde muito agradável e produtiva. Qualquer gralha que o texto contenha é só fazer de conta que está impecável.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *