Eis o segundo álbum da banda australiana mais conceituada do momento. Os Parcels trabalharam neste disco durante um ano e meio e, como podemos ouvir, o resultado não poderia ter sido mais afirmativo. A pandemia teve muitos contras, no entanto, este álbum foi seguramente um dos maiores e melhores pros da mesma. Aqui, os Parcels não se limitaram a construir um álbum isolado. Os limites para eles não existem e, para provar isso, eles atingem-nos fazendo um bis discográfico. Estes dois álbuns juntos contêm 19 faixas. Todo o conteúdo do álbum é uma sublime sobremesa para os nossos ouvidos. Gostaram desta troca de sentidos?
Em 2017, os Parcels tinham tido a oportunidade de trabalhar com Daft Punk no tema “Overnight” e, foi através dessa colaboração, que a banda fez a sua “primeira” firme aparição. Após o álbum de estreia, em 2018, ter colocado a banda a dar que ouvir pelo mundo, este segundo álbum surge renovado e com sons que não sentiram, de todo, a pressão daquilo que foi tão bem feito e executado anteriormente. Em Abril, de 2020, a banda tinha lançado o “Live Vol. 1” que, na minha opinião, é um dos melhores álbuns gravados em live, dos últimos tempos. Estive para dizer “de sempre”, mas acovardei-me. Por vezes, falta-nos a coragem. Porém, vou a tempo de me redimir. Como tal, digo que é um dos melhores álbuns live de sempre, lado a lado com o “Alchemy” dos Dire Straits, gravado em 1984. Pensaram no 1984 do George Orwell? Se não pensaram, acabaram por pensar agora, penso eu.
Em “Day/Night”, encontramos um funk aprimorado, pop/rock indie e, sobretudo, aquele espírito, sinónimo do mood de disco que é um autêntico brinquedo na arte e nas mãos destes rapazes. Neste disco cabe quer a luz, quer a escuridão. O contraste entre o dia e a noite é descarado e a oferta que se encontra neste álbum idem. A tristeza e a alegria, a doçura e o agridoce, o picante e o… escolham vocês a palavra. Um disco que consegue ser compatível com o ciclo natural do dia/noite e que, quem tiver a resistência suficiente aperceber-se-á de que existe uma história sequencial desde o início do álbum até ao fim. Os ritmos dançáveis, aqueles flashs de rock dos anos 70´s, a química do grupo e a fluidez daquilo que nos chega é algo que perdura e perdurará nesta que é uma identidade única da banda. A harmonia está presente em tudo o que é canto. A cantar também a têm, uma vez que formam um belo grupo de jovens, isto é, um belo coro. Este mais recente trabalho é uma superação que conta com uma produção musical complexa e autoritária. As texturas sonoras são prodigiosas! Ouvimos o desenlace de cada música com naturalidade, como se já tivéssemos ouvido anteriormente algo que acabou de estrear. Parcels é algo que nos é familiar, talvez seja esse o motivo que nos leva a amar a banda. Sabemos que podemos confiar, que ela não nos irá desiludir, entre outros valores familiares que poderia aqui incluir, mas que não vou. A linha dos Parcels vai em crescendo, como se fosse o ponteiro da velocidade de um F1 na reta de meta do GP da China, no Xangai. Com essa mesma linha, cresce o reconhecimento, a legião de fãs, o entusiasmo e a admiração.
“Somethinggreater”, pode ser considerado o tema porta-voz do álbum. É não só a porta como a chave do sucesso deste trabalho. Não há nada melhor do que esta criação. Desta feita, é neste som que acabamos por encontrar um feedback mais abrangente e amplo por parte do público. Aliás, este tema foi o bode expiatório da banda em inúmeras idas à rádio, antes da estreia do álbum. Este tema já foi mais vezes tocado em acústico do que outra coisa. As janeiras deviam ser esta música. Todavia, a qualidade, essa, mantém-se intacta, quer toquem o original, quer toquem em acústico, é o verdadeiro significado do “tanto faz”. Este tema tem a particularidade de ser cantado pelo Noah Hill, baixista da banda. O timbre do Noah é muito muito, (o bis no “muito” foi propositado), semelhante ao do Jules Crommelin. É muito difícil distinguirmos de ouvido quem está a cantar o quê à primeira. Com o tempo, percebemos que o alcance vocal do Jules é mais ilimitado do que o do Noah, que tende a ser mais macio e linear. Por falar em temas cantados pelo Noah Hill, “Comingback” é outro dos temas que causa furor do álbum e que nos deixa com uma enorme vontade de voltarmos para ele e… replay x1764179. Com um andamento veloz, um riff de guitarra inicial que nos convence a ficar e que regressa com todo o seu engenho no refrão, uma bateria empolgante, duas teclas que dão cor e um baixo que trata de unir toda a orquestra anterior e posterior. A energia deste tema é mais contagiante do que esta ou aquela constipação. “Theworstthing”, pode muito bem ser das melhores coisas! Adivinhem só quem canta nesta? Exatamente, é o Patrick Hetherington! Ele que por norma contribui com a sua perícia nas teclas, surge aqui a ser o cantor principal deste tema. Também surge como segundo guitarrista em alguns temas, faz tudo. A voz do amigo Patrick, (como se tivesse uma grande confiança com ele), é mais grave e mais corpulenta, por isso, acabamos por intuitivamente descortinar que não é o Jules que está a assumir o tema. O videoclip desta faixa está soberbo. Está algo de cinematográfico e é um excelente retrato dos tempos difíceis, daquilo que cada um enfrenta e do papel que uma ajuda pode desempenhar nessas mesmas circunstâncias. O final desta música, é uma espécie de transição para o lado B, (Night, e não o lado B do Bruno Nogueira), do álbum. O fim deste tema dá início ao “Famous”. O protagonista no videoclip do “Famous” é o Anatole “Toto” Serret, baterista. “Free”, é uma canção que nos liberta e que, por consequência, faz jus ao seu título. Neste tema existe uma maior incidência nas teclas e, como não poderia deixar de ser, o Louie Swain destaca-se e bem nessa matéria. “Lordhenry”, mais um som frenético onde todos os instrumentos são tocados com aquele groove e com aquela habilidade “parceliana”.
Podia dizer muito mais, não só sobre este álbum como sobre os Parcels. No entanto, considero que a extensão deste artigo já é volumosa o suficiente para me alongar ainda mais. É incrível a capacidade da banda se reinventar, pegam em temas com anos e conseguem criar novas versões dos mesmos, como se atualizassem os mesmos. A qualidade musical individual de cada elemento é altíssima. Podiam ser uma banda manca, mas não. Nos Parcels todos dominam os seus instrumentos, emprestam-lhes personalidade e isso culmina naquilo que é o Monte Olimpo da música, que é o lugar onde aquilo que a banda faz deveria estar. Outra coisa que é de se salientar na banda, é o facto de todos os elementos terem o mesmo destaque, vão alternando as “tarefas” e conseguem manter toda a magia. São os Senhores dos Anéis, também.
Para mim, os Parcels são, neste momento, uma das melhores bandas da atualidade. Os Parcels estão aqui para dar cartas e, aquilo que eles nos têm dado são ases e trunfos!
Um dos melhores álbuns deste ano, sem sombra de dúvidas e com todo o sol que os Parcels merecem!
Recomendação: Ouçam o concerto na íntegra, no La Cigale, em Paris!