O quinto álbum dos Glockenwise surge para o nosso bem e, para quem apreciar a vida adulta, surge com uma certa responsabilidade. Não se trata de cumprir horários ou de responsabilidades semelhantes. Trata-se sim, de superarem a expectativa criada do já tão bem conseguido “Plástico”, de 2018.
O Gótico Português é o registo e a prova audível do amadurecimento deste grupo proveniente de Barcelos. Se por um lado, sempre conhecemos os Glockenwise pelas suas sonoridades efusivas e convictas daquele que é o conceito do rock mais alternativo, aqui, neste novo disco, sentimos uma outra forma de construção sonora. Um registo ponderado, onde as harmonias nos chegam como as ondas do mar com a sua lentidão e, consequente, encanto. Senti que a última frase teve o seu quê de bucólica.
A exploração dos instrumentos neste álbum é diferente, menos caótica, mas não menos intensa. Esta característica dita uma personalidade mais melancólica e distintiva. O conceito na elaboração deste álbum vai muito além daquilo que é palpável ou visível. A descentralização que este álbum esconde e, ao mesmo tempo mostra, é algo de bastante suculento. Pensaram nos bifes do Salt Bae com esta do “suculento”? Pergunta retórica, não respondam.
A amplitude do álbum é quase como uma visita guiada aos recantos de um Portugal esquecido, mas que existe e está cá para ser visto e, a partir de hoje, também para ser ouvido. A beleza deste novo trabalho é, também, a beleza dos nossos lugares e das gentes que os compõe.
O espectro alternativo continua a respirar nesta identidade cada vez mais cimentada e pronunciada. Ao ouvir este álbum foram muitas as vezes que senti flashbacks das sonoridades de bandas como os The Cure. A delicadeza daquelas melodias mais sombrias, resquícios daquelas décadas e com tudo aquilo que de bom elas albergam. Por outras palavras, este disco tem o condão de nos fazer viajar no autocarro do tempo onde constatamos que existem coisas que não se perdem. Uma delas é a nostalgia e os sentimentos que a boa música é capaz de nos despertar, sem que para isso tenhamos programado o despertador no telemóvel.
Outra faceta apresentada neste disco é a sua agradável imprevisibilidade. Tanto temos faixas que são autênticas epopeias, como temos outras que vestem a pele de faixas de transição e outras que nos soam quase a serenata.
Bem, por falar em faixas, por que não falar delas? Uma a uma? Pode Ser? Bem, estou mesmo forte nas questões retóricas.
Natureza – Nesta fatia, sim… quis mesmo dizer fatia e não faixa. Não pensem que foi o corretor que me sabotou a escrita. Nesta Natureza estamos perante uma espécie de vulcão sonoro. É de destacar os fragmentos rítmicos, em particular no refrão. Os recortes entre os acordes entregam toda uma heterogeneidade peculiar. Daí as fatias na introdução. Também o som é fatiado. Este som é uma força da natureza. O groove no trecho final é qualquer coisa. É natural que gostem deste som. Muito.
Gótico Português – Faixa que dá mote ao batismo do álbum. Uma entrada obscura, quase que sinuosa e misteriosa. Sentimos, se quisermos sentir, um certo perfume da década de oitenta por aqui. Só temos que dizer oi de volta e tentarem convencer-se de que estão noutros relógios. Aqui, é introduzido um toque arcaico de piano que contrasta com a vibe cinza da restante construção. Os agudos do baixo que teima em ser grave são algo de bastante saboroso.
Água morrente – Uma declamação quase em formato serenata que nos sabe embalar pela sua simplicidade de composição. Este tema veste um fato hipnótico, assim como a água morrente que se precipita dos telhados.
Margem – Esta é do tamanho do mar. A percussão exibe toda uma perícia que nos agarra logo nos primeiros instantes. É como estarmos a ouvir um jogo a ser baralhado. Neste baralho só moram trunfos e como é bom assistir a isso. Existe a particularidade de, aqui, coabitarem dois temas. Quem ouvir o tema ou quem já o tiver “ouvisto”, (palavra popular bastante usada e que, apesar de ser usada, não se encontra no OLX… nem no Priberam), perceberá o porquê de eu dizer isto da “bifaixa”.
Lodo – Já disse que este álbum me faz lembrar as texturas de The Cure? Um ritmo contagiante que está à nossa espera e que nos tira do lodo, até mesmo para quem não esteja nele.
Deixar ferver – A demonstração de que este rock sabe ferver, sem ter a necessidade queimar. É um pouco a imagem de tudo o que este Gótico contém. Outra particularidade que esta faixa alberga e que se expande um pouco por todas as outras é o facto de serem emitidas sequências sonoras isoladas das cordas da guitarra. Como se cada corda tivesse um palco próprio, numa espécie de dedilhado que, não o sendo, está perto de o ser. Absorvemos, também, uns quantos sons de sintetizadores que é algo bastante adjacente a este novo trabalho.
Vida vã – Coisa que este álbum não é. Por isso vão… mas é ouvir este disco! Este é mesmo um som Glockenwisiano. As sonoridades inconfundíveis da banda fazem com que, de olhos fechados, consigamos saber a quem pertence tal tema. Talvez porque, de olhos fechados e ouvidos abertos nos seja possível chegar a tal conclusão. Este som tem, também, a particularidade de ter sido o primeiro single a ser lançado. Ou seja, foi com esta vida que ficámos a conhecer a vida deste novo projeto.
Besta – Este som é, para mim, o som do álbum. Em abono da verdade, acho que posso estar a ser influenciado pelo facto de o mesmo já ter sido lançado há umas boas semanas e de o loop sobre mesmo ter sido sério. Porém, acho que este é o espelho da conquista dos Glockenwise. É como se este tema refletisse um passo. Um que se dirige na direcção certa, seja ela qual for, sabemos de antemão ou de antepé que o trajeto dos Glockenwise está numa autêntica curva ascendente.
rosa e galo + rosa e a arte + rosa e a terra – Decidi compilar estas três faixas de transição. De salientar que as mesmas estão entre parênteses retos e aqui não estão pelo simples motivo de não encontrar tais parênteses no teclado do meu computador. Depoimentos do mais fidedigno que podemos encontrar e ouvir. A sinceridade e a pureza das palavras é inerente a estas três faixas. A beleza das origens é muito esta. A herança e tudo aquilo que lhe pertence e que nos pertence.
Agora, 34min depois, a conclusão. Um álbum desafiante e que não se limitou a permanecer no conforto. Um exaltar das origens para o mundo, também ele um lugar. A essência dos Glockenwise está cada vez mais segura, mais promissora e mais recomendável. Se existe malta que merece o sucesso que lhes tem vindo a servir é esta. Não só por fazerem por ele. mas por podermos constatar que estão em constante evolução e superação. Não há uma expectativa que saia defraudada. Só qualidade a entrar pelos ouvidos!
O que é Português é bom e o que é Gótico? Também!
Apesar de ainda estarmos em Fevereiro este é e será, desde já, um dos melhores álbuns do ano!