Cassete Pirata – “A Semente”

Segundo se consta, o segundo disco dos Cassete Pirata está à solta e desejoso de ser ouvido. Posso, desde já, lançar um pseudo spoiler e dizer-vos que esta semente culminou num fruto bem delicioso. Depois do EP introdutório, lançado em 2017, seguiram-se inúmeros singles que, desde cedo, fizeram questão de namorar o nosso ouvido, tais como: “Ferro e Brasa” ou “Outro Final Qualquer”. Nas costas deste mais recente trabalho, tínhamos tido a estreia através d´ “A Montra”, em 2019. Nesta montra tínhamos, desde logo, ficado com vontade de adquirir tudo aquilo que se encontrava nela, na montra. Dois anos mais tarde, aqui estamos nós a testemunhar aquela que é uma belíssima colheita. Além de tudo isto, os Cassete Pirata vestiram, no último ano, a série da RTP, “Até Que a Vida nos Separe”, com a mestria que lhes é inerente. Série esta que está nomeada para o Prix Europa 2021.


O álbum conta com um 11 titular insubstituível. A lírica deste álbum funciona como um grito de revolta. As letras conseguem ser interventivas, na medida em que conseguimos retirar diversas ilações sobre o estado da sociedade, esta que devia estar e ser unida. Ouvir este álbum é o equivalente a ouvir conselhos e, literalmente, uma voz conselheira. Nunca é tarde para se fazer e ser diferente. Letras estas que, ao serem desenvolvidas no seio da pandemia, acarretam um significado comum a todos. Um misto de esperança, mudança e libertação. Um convite a encararmos as adversidades de uma outra perspetiva, sem que ela nos derrote. Uma lírica que nos desperta. Para quê colocar um horário no telemóvel para desempenhar essa função, às 7h27? Letras didáticas e universais. Depois, podemos detetar algo a que os Cassete, desde sempre, nos habituaram. O bucolismo usado nos temas da banda são um autêntico quadro, daqueles bem pintados e repletos de técnicas que não posso enumerar por estarem fora do meu domínio, mas deteto-as. Sentimo-nos omnipresentes por termos a capacidade de estarmos no campo debaixo de um sol que teima em brilhar, como, por outro lado, também nos conseguirmos imaginar a passear na praia com as sapatilhas na mão, enquanto o nosso corpo se arrepia com uma brisa gélida. Os Cassete Pirata conseguem ser, com facilidade, dos taxistas mais eficazes que temos a circular na música portuguesa. Só demoram uns quatro minutos a levar-nos de um sítio para o outro.


“A Raiz” é o tema que abre o disco, porque tudo aquilo que nasce precisa de uma bem forte. O som inicia-se com o Pir a cantar “à capela”. Um som que vai em crescendo, os instrumentos vão entrando como as pessoas que entram no autocarro, isto é, um de cada vez, até o som estar repleto de texturas e elementos sonoros. A segunda metade da música é tropical e conta com um coro bem afinadinho. “A Raiz” termina como começou. Através deste tema percebemos, de imediato, que o álbum foi muito bem plantado. “A Torcer Por Nós”, esta é uma das minhas preferidas, por isso, vou falar bem ou tentar. Esta música mantém-nos naquela rotação certa e expectante até sermos atingidos por um refrão maravilhoso. A terceira repetição, no refrão, do verso “torcer por nós”, sobe uma escada de tom e com o tom sobe, também, o nosso deslumbre. Aqui, a guitarra do Pir também nos diz ao que vem… vem com tudo! As sonoridades que aquelas cordas produzem contêm muita personalidade. É de olhos fechados que identificamos quem é o dono daquele som. Estou a torcer por ouvir outra vez o tema. “Tudo Faz Parte”, da mesma forma que tudo nos chega por inteiro. Mais uma vez, contamos com um refrão marcante. A Margarida Campelo e a Joana Espadinha emprestam-nos nuances nas teclas e nos vocais produzidos com genialidade. Esta música devia fazer parte de todas as playlists. A conclusão reserva-nos um bom espaço de introspeção. “Malta”, não pensem no país, mas sim em vós. Esta música brinda-nos com dois moods distintos, é um som heterogéneo. Na primeira metade, o baixo do António Quintino é quem nos dá uma boleia luxuosa. Na segunda metade, o que nos fala é o rock e o instrumental que pertence a esta faixa. “Ser Diferente”, é isso que eu tenho sido neste artigo, acho eu. Nesta diferença, temos uma malha que rasga, algo mais cru e impetuoso. Um som entusiasmante da bateria daquele que é, para mim, um dos melhores bateristas do país, o João Pinheiro, que nos faz estremecer a abanar a cabeça com ele. “A Semente”, faixa onde o rock existencial é fruto da maturidade da banda. Temos uns resquícios próximos da eletrónica que se coadunam lindamente com a identidade dos Cassete. “A Pirâmide”, inicia-se com um riff isolado, mas que, depressa se vê na companhia dos restantes componentes sonoros. Esta pirâmide podia muito bem ser uma daquelas do Egito, é imponente. A conclusão desta faixa fez-me lembrar a “Changes” do 2Pac. Se ouvirem percebem o porquê desta minha afirmação improvável. “Brisa Solar”, é um tema que solta a voz… para recomeçar. Um rock “macio” e harmonioso. “Só Mais Uma Hora”, é mais um tema que ouvíamos, na boa durante, uma hora. Nesta faixa os instrumentos são como gomas e outras tantas guloseimas. São alegres e portadores duma disposição que nos faz sorrir. Conta ainda com um daqueles solos no sintetizador que vão sendo, também, uma imagem de marca no projeto da banda. “Árvore”, mais um tema que converge num belo fruto. Esta sonoridade tem uma batida muito característica, algo que é próximo da balada e de épocas transatas. Este som, quando o ouvi, fez-me lembrar o “Scarface”. Existem inúmeros detalhes que me levam até aos soundtracks produzidos pelo Giorgio Moroder. Até parece que estou a ver a frase: “The World Is Yours”. Que tema lindo e surpreendente! “Também Serve Para Lutar”, também serve para ouvir. Um som que nos faz refletir e que traz consigo um poderio lírico bem acentuado. É como se fizéssemos parte de um coro. Este som é o número de toda a gente, uma vez que serve a todos nós.


Um dos melhores álbuns lançados, este ano, no país! Os Cassete Pirata têm vindo a consolidar o seu papel e lugar no panorama musical português e é por álbuns como “A Semente” que ficamos a perceber o porquê. Agora, vou só ouvir mais uma vez o álbum. Acabei de decorar as letras e vou-me juntar à banda!


Por falar em decorar… decorem estas datas:
20 de Outubro – Teatro Maria Matos, Lisboa
21 de Outubro – Maus Hábitos, Porto
22 de Outubro – Avenida Café Concerto, Aveiro
23 de Outubro – Bang Venue, Torres Vedras
27 de Novembro – Associação Recreativa e Cultural de Músicos, Faro.
Escolham o local onde querem ouvir e ver a apresentação. Queria ir ao Maus Hábitos!

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